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As plantas praguicidas - alternativa para o controle de pragas da agricultura

Das milhares de espécies vegetais que existem, muitas produzem substâncias que atuam como atraentes ou repelentes de outros organismos. São substâncias que têm atividades biológicas e que foram desenvolvidas pelas plantas ao longo de sua existência, tendo sido útil para garantir a sua sobrevivência.
Essas substâncias são conhecidas também como metabólitos secundários das plantas, e, por terem atividade, após estudos específicos, vêm sendo utilizadas como medicinais, inseticidas, repelentes, antimicrobianas, etc.
Nas plantas, algumas dessas substâncias atraem insetos e pássaros, que atuam como polinizadores ou disseminadores das sementes. Outras substâncias podem repelir ou intoxicar insetos e/ou outros herbívoros, protegendo as plantas contra seus agressores. São essas substâncias que cada vez mais vêm sendo alvo de estudos para o desenvolvimento de praguicidas ecologicamente menos problemáticos.
Já existem algumas plantas cujos princípios ativos foram exaustivamente estudados e experimentados, e podemos citar como exemplos clássicos, o piretro, o timbó, o nim, o fumo, citronela, alho, pimenta, etc.

ALGUNS EXEMPLOS CLÁSSICOS
O estudo dos princípios ativos extraídos das flores do piretro (Chrysanthemum cinerariaefolium), as piretrinas, tem dado origem a muitas substâncias análogas, mais eficientes como inseticidas, que vêm sendo sintetizadas e comercializadas há mais de uma década. A molécula original foi modificada para possibilitar a aplicação no campo, e melhorar seu desempenho como inseticida. Essas substâncias resultantes dessas modificações moleculares são conhecidas como piretróides, e recebem nomes comerciais diversos, como por exemplo bioaletrina, biorresmetrina, transpermetrina, deltametrina, cipermetrina, ciflutrina, flumetrina, fenpropatrin, cialotrina, bifentrina, teflutrina, cialotrina, bifentrina, etc.
O uso do fumo (Nicotiana tabacum) é bastante conhecido, e vem sendo utilizado como inseticida caseiro, pela ação tóxica da nicotina nos insetos. A nicotina é extraída principalmente das folhas. Na prática, costuma-se utilizar o fumo em corda, que é triturado e extraído com solução hidroalcóolica ou aquosa para borrifar as plantas atacadas por insetos.
São conhecidas como “timbó”, espécies de plantas que contém substâncias que os indígenas utilizavam para intoxicar peixes. Com esse nome popular, são conhecidas algumas espécies do gênero Derris, Lonchocarpus e Tephrosia. Principalmente da raiz dessas plantas, é extraída a ‘rotenona’, o princípio ativo ao qual foi atribuído atividade piscicida e também inseticida. A síntese dessa substância já é mais elaborada, não sendo viável comercialmente, e, neste caso, as raízes das plantas foi bastante comercializada como inseticidas.
Mais recentemente, vem sendo propagada a utilização da planta conhecida como “nim” (Azadirachta indica, da família das Meliáceas), que é de origem asiática, e o seu cultivo vem sendo disseminada por outros continentes. No Brasil já existem plantações dessa árvore em algumas regiões, como nordeste, centro-oeste e sul do país. Como seu princípio ativo é uma molécula complexa, de difícil síntese, aplica-se os extratos das folhas ou frutos, como inseticida. O fruto é a parte mais rica em princípios ativos, mas sua produção é limitada. Já existem produtos comerciais à base do nim, para aplicação em controle de insetos.

SUBSTÂNCIAS VOLÁTEIS
Uma classe de substâncias que tem merecido muita atenção, são a das substâncias que fazem parte do óleo essencial de algumas plantas. Os óleos essenciais ou óleos voláteis estão presentes nas plantas aromáticas e podem apresentar atividade atraente, repelente, e até tóxica a insetos e microorganismos.
Exemplo do uso desses óleos já são observados no nosso dia-a-dia, como é o caso do óleo da “citronela”, como repelente de insetos. Esse óleo tem como componente principal, a substância “citronellal”, presente em algumas espécies de plantas. As mais ricas nessa substância, é o “capim citronela” (Cymbopogon nardus e C. winterianus) e uma espécie de eucalipto, o Eucaliptus citriodora, mas pode ser encontrada em menor concentração, também em outras espécies, de outras famílias de plantas.

Outras substâncias que têm sido empregadas para controle de insetos e microorganismos e que fazem parte da composição de óleos essenciais de plantas, são por exemplo, os - e -pinenos presentes nos óleos extraídos da resina de pinheiro (Pinus sp), o nerol extraído do óleo essencial do capim limão (Cymbopogon citratus), o limoneno do óleo da casca do fruto de diversas espécies de Citrus (laranja, limão), e algumas substâncias obtidas de plantas utilizadas como condimento alimentar, como o eugenol do cravo da índia (Eugenia caryophyllata), o mentol da hortelã (Mentha piperita), a piperina da pimenta-do-reino (Piper nigrum) e as substâncias sulfuradas obtidas do extrato do alho (Allium sativum).

Algumas plantas consideradas “invasoras”, como a erva-de-santa-maria (Chenopodium ambrosioides), o mentrasto (Ageratum conyzoides) também produzem substâncias aromáticas que tem apresentado alguma bioatividade .

Ao lado desses exemplos, milhares de plantas vêm sendo experimentadas para avaliação de atividades pesticidas, pois é grande a procura por novas moléculas, e, principalmente por aquelas moléculas que causem menores impactos toxicológicos ou ambientais.
É importante alertar, no entanto, que por menor que seja a toxicidade dessas substâncias, testes toxicológicos são sempre necessários, pois se tratam de substâncias com atividade biológica, e, o uso de doses inadequadas ou a forma de aplicação podem causar problemas. Além dos testes toxicológicos para mamíferos, testes de fitotoxicidade também são necessários, para não comprometer as plantas de cultivo.
Existem substâncias em alguns óleos essenciais que são fitotóxicas, podendo danificar ou até matar algumas plantas. Essa característica é utilizada algumas vezes, para desenvolver herbicidas, tendo como modelo, essas substâncias. Um exemplo de herbicida com o esqueleto químico semelhante a substância extraída de óleo essencial de plantas, é a cinmetilina, cuja molécula é semelhante ao do eucaliptol, extraído de folhas de eucalipto:




Produtos destinados ao controle de pragas à base de óleos essenciais já estão sendo comercializados, principalmente no exterior, e muitos deles se tratam de uma mistura de diversos óleos. A pesquisa ainda vem trabalhando numa melhor formulação para essas substâncias, principalmente para contornar o problema da volatilidade e da conseqüente perda da ação em pouco tempo.
A utilidade das plantas, para o controle de pragas, não se limita apenas na utilização das substâncias delas obtidas ou de seus extratos, Essas substâncias ativas podem quase sempre ser utilizadas como modelos para síntese de novos princípios ativos. Os conhecimentos adquiridos com os mecanismos de defesa das plantas têm auxiliado no desenvolvimento de métodos de controle de pragas menos agressivos ao ambiente. Muitos desses princípios ativos têm ação específica para alguns grupos de organismos, sem afetar outros, e essa característica é importante para controlar apenas os organismos nocivos.

Maria Lucia Saito, pesquisadora Embrapa Meio Ambiente (saito@cnpma.embrapa.br)